Mais de 40% dos brasileiros preferem ficar 24h sem água e luz do que longe do celular
Abstinência, ansiedade, descontrole e outros sintomas afetam as pessoas viciadas em internet
Por Júlia Alves
Cerca de 69% dos brasileiros com
acesso à internet passam mais tempo no WhatsApp do que vendo televisão ou lendo
jornal. Já 70% das pessoas com um smartphone no país acreditam que passam tempo
demais conectados. Porém, mesmo com esse dado, 65% afirmam que sempre – ou com
muita frequência – usam o aparelho antes de dormir.
No início deste ano, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) iniciou a atualização da classificação de certas doenças
mentais. Em um desses tópicos foi incluído o vício em jogos e em celulares. De
acordo com os médicos que participam do grupo de pesquisadores da organização o
uso abusivo da internet, celulares, computadores e jogos de videogame teve um
aumento exponencial nas últimas décadas, dando origem a casos registrados de consequências
negativas à saúde dos usuários. O que deixa os especialistas da área em alerta.
Para a psicóloga Suzana Veloso,
essa é uma questão que merece atenção e por isso estão sendo criadas novas
nomenclaturas e doenças para categorizar esses distúrbios. “Estamos exercendo
mais contato com as pessoas pela internet do que fisicamente. O contato humano está
diminuindo muito rapidamente, e isso se deve principalmente à facilidade do
acesso às redes sociais”, comenta em entrevista ao SouBH.
Com o aumento do acesso à
internet também se agrava o número de pessoas que não conseguem sair dela. “O vício
é uma compulsão, há uma falta muito grande de algo, uma angustia que precisa
ser aplacada. Como em qualquer outro vício, as pessoas precisam preencher essas
faltas”, afirma a psicóloga. Para ela, a pessoa que possui uma compulsão, seja
por celular, internet ou redes sociais, apresenta uma visão positiva de si
mesmo, “o viciado não acredita que está doente”.
Os números não mentem
Quantas vezes por dia você acessa
suas redes sociais? Você consegue ficar sem o celular por muito tempo? E sem
internet? Com a presença constante e irreversível da internet em nossas vidas,
o uso dessa ferramenta acaba deixando de ser um lazer e se torna um vício. Afinal,
os 98% de brasileiros com smartphones que possuem o WhatsApp entre seus principais
aplicativos estão se tornando cada vez mais comuns.
E os entrevistados não desmentem
a preocupação da OMS, já que 42% dos internautas brasileiros preferem ficar 24
horas sem água ou energia do que sem celular. Além disso, 97% dos usuários que
possuem o aplicativo de mensagens afirmam utilizar a ferramenta todos os dias.
Um crescimento bem grande em relação ao ano anterior, com 84,7%.
As pesquisas foram realizadas
pela Opinion Box em parceria com a Mobile Time, e abordaram brasileiros
com acesso à internet e que possuem um smartphone, respeitando gênero, idade,
renda mensal e distribuição geográfica do grupo entrevistado.
O vício no dia a dia
A fotógrafa Vitória Fontes Rogério,
17 anos, é um exemplo daqueles que não conseguem ficar sem seu celular. “Quando acordo, a
primeira coisa que eu faço é pegar o celular. Devo ficar umas 22h online”, afirma a jovem, que, mesmo com o tempo gasto no celular, conseguiu ter uma história com final feliz proporcionada pela internet. A adolescente conheceu sua namorada,
a estudante Ana Carolina, pelo Tinder, um dos mais populares aplicativos de
relacionamento do mundo.
Como a Vitória, 41% dos
entrevistados afirmaram que não vivem sem o seu celular, enquanto 70% admitiram
que usam o aparelho de forma excessiva, e 51% ficam nervosos ou ansiosos quando
acaba a bateria do telefone.
De acordo com a psicóloga
Isabella Trindade, o vício é uma perda de controle que pode gerar uma grande
ansiedade. “O vício é algo compulsivo, a pessoa perde o controle e a noção de
limite. A internet possui vários mecanismos que trazem esses problemas à tona”,
afirma. Para a psicóloga, as
redes sociais podem ser a principal vilã por trás dessa ansiedade coletiva. “A rede
social é uma vitrine, e isso pode gerar uma ansiedade, uma depressão nos usuários
por não conseguirem atingir esse patamar imposto por outros e pela sociedade na
internet”, completa.
Enquanto uns não ligam para a
falta das redes sociais, a exemplo do professor Adolfo Borges Santos, 32 anos,
que perdeu o aparelho recentemente e está sentindo a liberdade de não estar
mais preso ao vício. Outros não podem viver sem, como Lauro Teixeira, 22 anos.
O empresário belo-horizontino não pode ficar fora do celular ou das redes
sociais, seja para o lazer ou para o trabalho.
Segundo Suzana Veloso, a nossa
sociedade está muito apegada a esses vícios que a internet pode criar, muitas vezes sem notar. “As
pessoas são muito imagéticas. A imagem do momento, o que é atraente, o que vende
e gera ‘likes’. Por isso, a pessoa infeliz e depressiva é levada a criar uma
fantasia para suprir essa ideia da sociedade e atender essa necessidade de
atenção”.